domingo, outubro 08, 2006

Porque é que responder é mais fácil do que perguntar?

quarta-feira, setembro 13, 2006



"Entre os cientistas contemporâneos há algo mais do que um criticismo pela negativa ao Dualismo. Há razões positivas para acreditarmos que, provavelmente, o Dualismo está errado. Uma das razões mais importantes tem a ver com a dependência entre os estados psicológicos e as mudanças dos estados cerebrais que podemos observar e quantificar. Por exemplo, quando administramos drogas específicas, podemos mudar as percepções de uma pessoa ou mudar a sua capacidade de recordar coisas. Estas observações sugerem haver uma relação íntima entre substâncias químicas particulares, estados psicológicos particulares e estados cerebrais particulares. Com efeito, a relação entre os estados psicológicos e estados cerebrais é provavelmente uma relação de identidade.
António Damásio e Larry Squire irão ambos falar sobre lesões cerebrais, casos em que a lesão de certas partes do cérebro interrompe ou muda funções psicológicas, de tal modo que o que as pessoas podem ver ou recordar, aquilo que sentem ou a sua maneira de pensar é alterada. Uma lesão pode mudar a capacidade da visão em profundidade. da visão cromática, etc. Estas mudanças parecem ser muito específicas e relacionadas com estruturas cerebrais localizadas específicas. Uma vez mais, há uma dependência estrutura/função muito flagrante - tão ou tão pouco que não parece necessário admitir qualquer outro agente, tal como uma alma ou um espírito imaterial. É como se a única coisa necessária fosse este cérebro maravilhosamente complexo e deslumbrantemente organizado.
Para dar outro exemplo relativo à dependência entre o cérebro e a mente, consideremos a estimulação eléctrica. Durante uma cirurgia cerebral, quando o cérebro de um paciente está exposto, o cirurgião pode ter a necessidade de testar e identificar funcionalmente certas estruturas cerebrais para localizar áreas sensoriais ou motoras específicas, descobrindo-as a partir das suas reacções respectivas a estímulos eléctricos. Graças a sofisticados eléctrodos e a uma fraca corrente eléctrica, certas partes precisas do cérebro foram exploradas desse modo em muitos pacientes. Isto dá-nos um exemplo flagrante de uma dependência que foi mais exaustivamente estudada em animais, particularmente em estudos feitos com primatas. Quando uma determinada parte do cérebro é estimulada, o paciente pode sentir-se incapaz de expressar certas palavras que gostaria de pronunciar, pode recordar inesperadamente memórias muito precisas que lhe vêm de um passado remoto ou ouvir uma velha canção popular.
Ora, se houvesse uma alma, poderíamos interrogar-nos como poderia uma corrente eléctrica produzir esses efeitos. Será que a alma intervém de alguma maneira nos pontos de estimulação? Não parece plausível.
Sabemos também que certos acidentes internos ou externos afectam o tecido cerebral, provocando uma desorganização difusa ou localizada, ou mesmo uma degeneração generalizada do tecido cerebral, que estão associadas a uma variedade de efeitos psicológicos específicos. Uma vez mais, existe notória correspondência entre a localização e a distribuição dos danos cerebrais e o tipo de disfunção ou de degeneração das funções psicológicas, com perda de faculdades perceptivas, emocionais, discernentes e comportamentais. A perda das faculdades visuais, de linguagem ou de memória estão entre as mais instrutivas.
Se der o caso de haver um consciência independente do cérebro e que pode partir do cérebro no momento da morte, essa consciência será suposta levar consigo as memórias que essa pessoa possuía. Mas, quando o cérebro e a memória correspondente se deterioram no momento da morte, ou se o cérebro degenera muito antes da morte e, consequentemente, a memória declina muito antes do tempo, como conserva a alma, ainda assim, as memórias intactas?

Como o explica? (Na psicologia budista, as memórias são armazenadas no espírito. Os processos mentis que dependem o cérebro para trazer essas memórias à consciência podem ser comprometidos por uma disfunção cerebral, mas essas memórias podem ser recordadas num vida futura.)
Suponha ainda que um dado cérebro na degenerou antes da morte ocorrer. Se as memórias estão codificadas no cérebro em consequência do modo como certos neurónios interagem, mudam de forma e estabelecem circuitos únicos, como pode isso ser gravado, transportado ou levado pelo espírito ou alma imaterial? Como podem essas mudanças de ultraestruturas físicas elaboradas, das quais depende a memória, e os tipos precisos de dinâmicas estruturais que o cérebro experimenta sempre que se lembra de algo, relacionar-se com uma alma imaterial? Como seriam transferidas essas mudanças para a alma de modo que, após a morte, ela possa guardar as memórias?
Como poderá isso ser possível, digamos, em doentes com o cérebro em degeneração, incapazes de se lembrar onde nasceram, o que fizeram ontem ou que são os seus filhos? Estarão as memórias das coisas que fizeram à 10 anos preservadas na alma, mas de momento indisponíveis? Isso não é plausível.
Por si só, cada um destes distintos tipos de dependência parece persuasivo, e no seu conjunto são constrangedores. Por conseguinte, a hipótese de haver uma alma – a hipótese dualista – não é provável. Na verdade, é altamente improvável.
Nenhuma destas demonstrações prova absolutamente que o dualismo é falso. Não penso que alguma vez possamos prová-lo, seja por um pressuposto geral científico ou de outro género. Mas tornam, creio, o Dualismo virtualmente impossível.
A base de dados sobre vários tipos de dependências é demasiado extensa, pelo que dei apenas alguns exemplos. Creio que outro bom exemplo seria os defeitos estruturais ou as deficiências funcionais que observamos no cérebro em consequência de erros genéticos ou de interferências com o desenvolvimento. As crianças que nascem de um parto difícil, em que o fornecimento de oxigénio é interrompido, podem ficar com o cérebro muito afectado. Ora, não seria de esperar que uma redução de oxigénio ao cérebro pudesse incomodar uma alma. Se o fizesse, também o faria no decurso do processo normal da morte.
Finalmente, há a questão de como a ideia de espírito ou de alma de enquadra no resto da ciência. Aqui, de novo, penso eu, a hipótese dualista não é muito compatível com o resto da ciência estabelecida. Podemos admitir que ninguém pode estar absolutamente certo que a ciência estabelecida é verdadeira, mas até agora parece-me a melhor coisa que temos, que, tal como o budismo, esteja sujeita a ser corrigida à luz das provas.
A hipótese dualista não se enquadra muito bem com a biologia evolucionista. Numa sequência de espécies animais cada vez mais complexas, abruptamente, olhai e vede, aparecem seres humanos que, ao contrário de tudo o que havia antes, têm uma alma. Este dom repentino é particularmente inverosímil por existirem tantas e tão próximas similitudes, que no material genético, no cérebro ou no comportamento, entre os primatas não-humanos e os humanos e, em conformidade, por não haver qualquer descontinuidade abrupta ao longo da escala evolucionista"


Patricia Churchland in Caminhos Cruzados da Consciência

Caminhos Cruzados da Consciência, Conversas com o Dalai Lama sobre a ciência do cérebro e Budismo. Colaboração: Patricia Churchland, Ph.D.; António Damásio M.D. ; J.Allan Hobson, M.D.; Lewis L. Judd, M.D.; e Larry R. Squire, Ph.D. Edições Asa.

----

Sempre concordei que era mais difícil ser materialista. O “espírito” ou “alma” , do ponto de vista do observador, parece mais real do que a própria matéria. O romantismo dualista torna a vida mais florida e é uma óptima via para quem procura um significado para a sua vida.

Mas eu penso que o EU não passa do reflexo de um conjunto de células que se esvai aquando a morte celular, tal como um software sem o respectivo hardware. A complexidade da nossa realidade interna leva-nos a acreditar que “somos especiais”, quando essa mesma complexidade nos deveria levar a uma noção de igualdade, tanto para com os outros seres vivos como para o resto da matéria que compõe o universo. É uma questão de organização atómica, só.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Imparidades



Tanto alarido com a discriminação sexual, fala-se numa lei da paridade mas depois abre-se um Banco público de esperma e óvulos em que cada mulhere recebe 750 € por cada óvulo (retirados por um médico com utilização de anestesia) e em que cada o homem recebe "zero" por cada doação de "sementes" (retirado pelo dador de forma mecânica). É verdade que para os homens só o local desta nobre acção diária é perturbado, mas sempre há gasto de ATP.

sábado, setembro 02, 2006

Sanidade relativa


Um homem louco é aquele cuja maneira de pensar e agir não se coaduna com a maioria dos seus contemporâneos. A sanidade mental é uma questão de estatística. Aquilo que a maioria dos Homens faz em qualquer dado lugar e período é a coisa ajuizada e normal a fazer. Esta é a definição de sanidade mental na qual baseamos a nossa prática social. Para nós, aqui e agora, são muitos os de mentalidade sã e poucos os loucos. Mas os julgamentos, aqui e agora, são por sua natureza provisórios e relativos. O que nos parece sanidade mental, a nós, porque é o comportamento de muitos, pode parecer, sub specie oeternitalis, uma loucura. Nem é preciso invocar a eternidade como testemunho. A História é suficiente. A maioria auto-intitulada de mentalmente sã, em qualquer dado momento, pode parecer ao historiador, que estudou os pensamentos e acções de inumeráveis mortos, uma escassa mão-cheia de lunáticos. Considerando o assunto de outro ponto de vista, o psicólogo pode chegar à mesma conclusão. Ele sabe que a mente consiste de tais e tais elementos, que existem e devem ser tidos em conta. Se um homem tenta viver como se certos destes elementos constituintes do seu ser não existissem, está a tentar viver, num sentido psicológico absoluto, anormalmente. Está a tentar ser louco; e tentar ser louco é insânia.
Aplicando estes dois testes, o do historiador e o do psicólogo, à maioria mentalmente sã do Ocidente contemporâneo, que verificamos? Verificamos que os ideais e a filosofia da vida agora geralmente aceites são totalmente diferentes dos ideais e da filosofia aceite em quase todas as outras épocas. O Sr. Buck e os milhões por quem ele fala estão, esmagadoramente, em minoria. Os incontáveis mortos preferem a sentença a seu respeito: estão loucos. Os psicólogos confirmam o seu veredicto. O êxito – «a deusa-cadela, Êxito» na frase de William James – exige estranhos sacrifícios daqueles que a adoram. Nada menos do que automutilação espiritual pode obter os seus favores. O homem coordenado para o êxito é um homem que foi forçado a deixar metade do seu espírito fora da sua personalidade. E se ele aceitar os ideais e a filosofia da vida que a deusa-cadela tem para oferecer, achar-se-á condenado, ou a uma estrénua irreflexão ou a um cinismo poeirento e descolorido. Nascido potencialmente são, ele aprende a sua loucura. “Porque todo o Homem”, como Sancho Pança observou, “é como o céu o fez, e algumas vezes muito pior do que isso” – algumas vezes, também, muito melhor; depende, em parte, dos seus próprios esforços, em parte das tradições, das crenças, dos códigos, da filosofia da vida que acontece ser corrente na sociedade em que ele nasceu. Onde esta herança social é uma loucura, o indivíduo naturalmente mais normal está moldado à semelhança de um louco. Em relação à sociedade em que vive, ele é, sem dúvida, normal, porque se parece com a maioria dos seus pares. Mas eles são todos, falando em absoluto, conjuntamente loucos.A Natureza permanece inalterável, quaisquer que sejam os esforços conscientes feitos para a deformar. Os Homens podem negar a existência de uma parte do seu próprio espírito; mas o que é negado não é por isso destruído. Os elementos banidos vingam-se nos indivíduos, nas sociedades inteiras. Uma coisa apenas é absolutamente certa quanto ao futuro: que as nossas sociedades ocidentais não se manterão por muito tempo no seu presente estado. Ideais loucos e uma filosofia lunática da vida não são as melhores garantias de sobrevivência.

Aldous Huxley in Sobre a Democracia e Outros Estudos

sexta-feira, setembro 01, 2006

O primeiro

Nem tudo na matemática me agrada. Nunca me explicaram porque é que dizemos que "o primeiro" equivale ao número um? Só por ser um número inteiro? Mas nem tudo o que é real é bonito. Para mim uma primeira acção será sempre um dividido por um número infinito. É que com brincadeiras destas há quem se acredite que zero virgula cinco é uma meia acção e que isso nem existe. Tretas.